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Preciso de atenção
O período seco é considerado uma fase de “descanso” para a vaca se preparar para o parto e a lactação futura. A duração desse período geralmente é de 45 a 60 dias, contados a partir da data prevista do parto. Durante essa fase, uma série de alterações fisiológicas ocorrem com o organismo do animal, principalmente na glândula mamária. Logo após a secagem ocorre um processo de involução ativa, com apoptose de células mamárias, e ao final desse período inicia-se a lactogênese, na qual há regeneração e diferenciação celular para preparar o úbere para a lactação.
Entre o final do período seco e o início da lactação seguinte (21 dias antes e 21 dias depois do parto), ocorre o chamado período de transição, marcado por alterações metabólicas intensas no organismo da vaca para permitir que o desenvolvimento fetal, a produção de colostro, o parto e a produção de leite ocorram de forma adequada. Nessa fase, ocorre um aumento acentuado da demanda de energia, associada a um baixo consumo de alimentos, resultando em um quadro de balanço energético negativo. Esse quadro determina a mobilização de reservas energéticas para garantir as necessidades fisiológicas da vaca, implicando em uma série de desafios para a saúde dos animais, que podem impactar negativamente a performance na lactação subsequente.
As principais doenças infecciosas que podem ocorrer durante o período de transição são a mastite e as infecções uterinas. Dentre as afecções metabólicas, diversos autores relatam como mais prevalentes a cetose, a hipocalcemia, o deslocamento de abomaso, a esteatose hepática e a retenção de placenta. Em um estudo sobre o assunto desenvolvido na University of Guelph, no Canadá, foi constatado que 30% a 50% das vacas em lactação são acometidas por, pelo menos, uma doença metabólica ou infecciosa durante o periparto.
Para se ter um bom manejo durante essa etapa crítica e de extrema importância para as vacas leiteiras, existem 10 pontos importantes relacionados ao período seco que precisam de atenção. Eles vão garantir a prevenção de doenças e, consequentemente, bem-estar e a máxima produtividade dos animais.
MÉTODO DE SECAGEM - Existem basicamente duas formas de secagem de vacas leiteiras: a abrupta, que consiste em interromper a ordenha da vaca no dia estabelecido a partir da data do parto; e o método gradual, que reduz o número de ordenhas realizadas por dia uma a duas semanas antes da data prevista, com o objetivo de diminuir a produção de leite até o dia da secagem. Um estudo norte-americano feito em oito rebanhos comparou os dois métodos e não houve diferença entre os tratamentos sobre a incidência de novas infecções mamárias no pós-parto e sobre a produção de leite avaliada nos primeiros 120 dias de lactação.
DURAÇÃO DO PERÍODO SECO - O estudo mencionado no item anterior também avaliou a interferência da duração do período seco sobre a produção de leite na lactação subsequente. As vacas que passaram por um período seco curto menor que 45 dias, produziram, por dia, 3,8 kg de leite a menos que as que tiveram um período seco longo igual ou maior a 60 dias. Num outro recorte, o estudo mostrou que os animais que "descansaram" da lactação por 55 a 64 dias produziram 1,3 kg de leite a mais que vacas que permaneceram secas menos que 45 dias. Os dados comprovam que a duração dessa fase interfere na produção de leite dos animais.
TERAPIA DE VACA SECA E USO DE SELANTES - Durante o período seco as vacas não são ordenhadas e, por isso, temos uma grande oportunidade para combater mastites subclínicas crônicas adquiridas durante a lactação. O tratamento é feito com antibióticos intramamários de longo período de ação (terapia de vaca seca). O fato dos antibióticos de vaca seca atingirem altas concentrações na glândula mamária faz com que consigam eliminar muitas infecções, podendo alcançar taxas de cura em torno de 80%. Devido às alterações na glândula mamária no início do período seco, há um alto risco de bactérias penetrarem pelo canal do teto e causarem novas infecções. Portanto, a terapia com antibióticos pode ser utilizada como uma medida preventiva.
Os selantes internos de teto são aplicados no momento da secagem, após a aplicação do antibiótico indicado para vaca seca. O selante exerce uma barreira física no canal do teto, com o objetivo de evitar a entrada de bactérias no interior da glândula mamária, nas situações em que o tampão de queratina do teto ainda não se formou. Essa ferramenta é importante, pois já existem pesquisas evidenciando a não formação ou a formação tardia do tampão de queratina por vacas especializadas durante o período seco. A aplicação intramamária, tanto do selante, quanto dos antibióticos, feita de forma higiênica, é de extrema importância para a prevenção e cura de infecções.
CONFORTO TÉRMICO - Estudos demonstraram que o resfriamento de vacas leiteiras durante o período seco garante o conforto dos animais, apresentando resultados promissores sobre o desempenho na lactação seguinte. Vacas de alta produção possuem um metabolismo intenso, o que gera mais energia pelo corpo na forma de calor. Com isso, podem entrar em estresse térmico mais facilmente. Um agravante para essa situação é o clima desafiador no Brasil, caracterizado por altas temperaturas e umidade.
Pesquisas que compararam a lactação de animais resfriados durante o período seco com outros não resfriados demonstraram que, após o parto, a produção de leite diária pode ser em média 7,5 kg maior para o grupo de vacas resfriadas. Os animais resfriados também foram mais eficientes no consumo alimentar aos 42 dias pós-parto. Em sistemas menos intensivos, quando o resfriamento pode não ser viável, é fundamental garantir uma boa área de sombreamento para as vacas, acesso à água limpa e fresca para assegurar o conforto térmico durante o dia.
NUTRIÇÃO, CONSUMO E ESCORE DE CONDIÇÃO CORPORAL (ECC) - Devido ao quadro de balanço energético negativo e ao alto risco de ocorrência de doenças metabólicas no periparto, é importante otimizar o consumo e, principalmente, balancear corretamente a energia e proteína da dieta de vacas em transição. Garantir uma boa área de sombreamento, espaçamento de cocho adequado, acesso a água e dieta palatável e fresca, além de separar novilhas de vacas, são medidas que podem minimizar a queda de consumo no período periparto.
O ECC dos animais ao parto está diretamente relacionado ao manejo reprodutivo da fazenda. Vacas que demoram a emprenhar durante a lactação, normalmente chegam ao período de transição com escore de condição corporal elevado, e nesse momento não há muito o que fazer para corrigir o problema. A condição corporal ao longo da lactação deve ser monitorada, pois sabe-se que vacas com ECC alto tem uma queda mais acentuada do consumo, e isso pode agravar ainda mais o balanço energético negativo.
ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS E O RISCO DE DOENÇAS METABÓLICAS - Um conjunto de fatores fisiológicos, físicos e hormonais que ocorrem dias antes do parto determinam a queda de consumo de alimento pelos animais. Por ser um momento de alta demanda de nutrientes, as vacas começam a mobilizar suas reservas corporais, como o tecido adiposo, por exemplo, a fim de suprir a demanda energética. O resultado dessa mobilização intensa é a liberação de ácidos graxos não esterificados (AGNEs) na circulação sanguínea, que serão metabolizados pelo fígado como fonte de energia.
O excesso de AGNE, tanto no sangue quanto no fígado, pode levar a ocorrência de doenças metabólicas como a cetose clínica ou subclínica, e esteatose hepática, por exemplo. Corpos cetônicos, como o ß-hidroxibutirato, formados durante esses processos, podem interferir diretamente no desempenho produtivo, reprodutivo e na saúde das vacas no início da lactação.
IMUNIDADE E DOENÇAS INFECCIOSAS - Diversos fatores mencionados nos pontos anteriores podem levar a uma depressão da função do sistema imune dos animais, aumentando o risco de doenças infecciosas. As alterações metabólicas e nutricionais, assim como as alterações hormonais nos níveis de estrógeno, progesterona e cortisol, interferem na atividade dos neutrófilos, principal célula de defesa responsável pela resposta inflamatória inicial frente a uma infecção. Portanto, o comprometimento da atividade dessas células está relacionado ao aumento do risco de doenças como a mastite, metrite, endometrite.
A retenção de placenta é uma doença diretamente relacionada ao status imune do animal. O processo de liberação da placenta após o parto é mediado por células do sistema de defesa. Assim, animais que entram em um quadro de queda imunológica acentuado, apresentam maior risco de apresentar retenção de placenta no pós-parto. Além de uma boa nutrição e manejo alimentar, conforto dos animais e dietas aniônicas, estratégias como vacinação e suplementação com minerais enriquecidos com vitamina E e selênio, podem ser medidas para minimizar a queda imunológica e a gravidade de casos clínicos de doenças no pós-parto.
PRODUÇÃO DE COLOSTRO – COLOSTROGÊNESE - A colostrogênese é a fase em que a glândula mamária se prepara para a produção de colostro após o parto. Essa fase tem início em torno de 21 dias antes da parição e ocorre pela ação de hormônios como estrógeno, progesterona, prolactina e IGF-1, encontrados em altas concentrações no terço final da gestação. A ação desses hormônios leva a regeneração e diferenciação do epitélio secretor, assim como a migração de imunoglobulinas para a produção do colostro. A saúde e o bem-estar da vaca nessa fase irão impactar na sua capacidade de transferência de imunoglobulinas para a formação de colostro de qualidade.
HIGIENE DO AMBIENTE - No momento do parto a vaca expõe o canal uterino e nos primeiros dias de lactação expõe também o canal do teto, devido ao acentuado enchimento da glândula mamária. Isso favorece a entrada de bactérias por essas vias. Assim, o local destinado às vacas secas e, principalmente a área do parto, devem estar limpos e secos, visando reduzir a carga de microrganismos patogênicos que podem determinar a ocorrência de doenças infecciosas. O uso de baias maternidade com camas de feno e palha, quando bem manejadas, oferecem excelentes oportunidades para as vacas parirem sadias e livres de doenças.
MONITORAMENTO DO PARTO - O momento do parto é de extrema importância para a saúde da vaca e do bezerro. Além de assegurar que o ambiente da maternidade seja tranquilo, seguro e confortável, é necessário que seja de fácil visualização pelos colaboradores, para que tudo ocorra de forma adequada. O monitoramento dos animais em trabalho de parto é imprescindível para a tomada de decisão quanto à necessidade de intervenção. Os responsáveis por esse monitoramento devem receber treinamento correto para evitar que intervenções sejam feitas antes da hora ou de forma errada.
Nesse contexto, é essencial considerar que o período seco é uma fase tão importante para as vacas leiteiras quanto todas as outras, sobretudo porque exerce grande impacto na futura lactação desses animais. Compreender os pontos decisivos para o período e agir de forma criteriosa aumentam as chances de se ter vacas saudáveis, produtivas e rentáveis no rebanho.
Fonte: Revista Leite Integral
Data: 30/07/2019